sábado, 29 de outubro de 2011

Curar


Abriu a porta com muito cuidado. Não queria fazer nenhum ruído. Entrou com calma e chamou os que estavam atrás dele para que entrassem. No quarto havia várias camas, mas seus ocupantes estavam adormecidos, calmos, puros na brancura dos sonhos. Cada um dos que entravam posicionava-se ao lado de um dos sonhadores, aguardando o momento certo para agir. Pareciam nem mesmo respirar. Entreolharam-se. 

Era hora. 

O que se encontrava mais próximo a porta ligou o som que trazia e a música expulsou todo o silêncio que ali repousava. Ao mesmo tempo, todos os outros beijaram os rostos adormecidos e depois gritaram, com um enorme sorriso, “Bom dia!”. Os sustos duraram uma fração de segundos e foram logo substituídos pelas risadas angelicais e inocentes das crianças das camas. Havia balões, chuva de confetes de todas as cores, palhaços dançando e fazendo malabarismos. As gargalhadas invadiam todo o prédio, quarto por quarto, pessoa por pessoa. Médicos, enfermeiros e pacientes acotovelavam-se para olhar a alegria das crianças pelo pequeno vidro da porta. E os que conseguiam ver, mesmo que por um segundo, já eram infectados pela sensação e, simplesmente, sorriam junto. Sorriam sem nem mesmo conhecer uma daquelas crianças. Mas o que importava isso? Eram crianças e pronto! E nada era mais belo que aquilo. Dentro do quarto, a empolgação era tanta, que muitos já estavam pulando de cama em cama, enquanto outros tentavam pegar os balões que lhes fugiam das pequenas mãos. 

No canto, rostos eram pintados de acordo com as mais diferentes escolhas que saíam da imaginação fértil das crianças. Um menino, com desenho de focinho de cachorro correu pelo quarto latindo e dando beijos, que pareciam mais lambidas, nos rostos das meninas, que sorriam e ficavam envergonhadas. Uma pequena garotinha fez um desenho de uma coroa de ouro na sua pequena cabeça branca, como a neve. Não havia um fio de cabelo sequer em sua cabeça, mas não importava. Não ali e não agora. Simplesmente desfilava com sua jóia e seu lençol como se fosse a mais bela das rainhas. E realmente era. Todos faziam reverência enquanto passava por eles. E como ela ria lindamente. Um menino pediu o nariz vermelho de um dos palhaços, que lhe perguntou o porquê de tal desejo. A criança simplesmente disse: “Porque eu quero ser feliz todos os dias!”. O palhaço o olhou por alguns segundos, o abraçou e o rodou no ar. Quando estavam de volta no chão, tirou o próprio nariz e o colocou naquela cara cheia de esperança. O menino agradeceu e saiu pulando por entre os balões. 

Em algum tempo, as gargalhadas começaram a dar lugar aos bocejos e pálpebras pesadas. Foram todos para as respectivas camas e ouviram uma bela história, encenada por todos os palhaços. Alguns conseguiram ouvi-la até o final, mas outros não tinham mais energia e adormeciam. Mas logo depois, todos estavam vivendo os mais belos sonhos. Dormiam como princesas, cachorros, fadas, anjos, gatinhos. Dormiam com a eterna felicidade de um simples nariz vermelho.

sábado, 17 de setembro de 2011

Cemitério de deuses


Ela estava na beira do córrego, enchendo algumas vasilhas com água. As montanhas ao longe a observavam, assim como as raras árvores e animais que cercavam o ambiente. O sol, majestoso e cruel, castigava suas costas com o seu fervor. Entretanto, Khamalla adorava ir até aquele lugar. Não era longe da sua aldeia, mas gostava de afastar-se um pouco dos demais para pensar, brincar sozinha com sua imaginação e, frequentemente, rezar. Ali era o seu recanto. Sentou-se na margem, molhando os pés. A água geladinha desenhou um sorriso em seu rosto. Fechou os olhos e colocou os dedos no colar que sua mãe lhe dera. Era feito com lascas de árvores bem vermelhas e algumas pedrinhas pretas. Khamalla o adorava. Sempre que conversava com seus deuses, segurava-o entre os dedos e pedia proteção para todos que amava. 

Não soube quanto tempo passara ali, de olhos fechados. Mas um grito arrepiante a fez levantar bruscamente. O som vinha da direção da aldeia. Correu para ver o que estava acontecendo. Subiu uma pequena montanha, olhou para baixo e viu sua tribo ser atacada por outra, inimiga. Eram dezenas de homens altos, velozes, portando lanças assustadoras e um olhar que pedia por morte. Seus troncos nus estavam pintados com faixas brancas e vermelhas. E o som que lhes saia da boca provocava o terror em todos que o escutavam. Lá de cima, ela procurou sua mãe em meio ao caos de mortes e de dor. Os olhos das duas cruzaram-se imediatamente e nesse instante sua mãe gritou: 

— Khamalla! 

Nunca ouvira seu nome ser pronunciado daquela forma. Era um som cheio de desespero, medo e amor. O rosto da sua mãe estava regado por lágrimas. Um segundo depois, esse mesmo rosto foi atravessado por uma lança, formando-se uma mistura de lágrimas e sangue, que escorria e pingava de forma suave na terra. E a pequena menina acompanhou tudo, de longe, mas o que sentira naquele instante estava bem perto. Estava dentro dela. Sentiu o gosto da morte. Khamalla abaixou-se ao perceber que o assassino de sua mãe procurava a dona do nome gritado. Correu para onde estava antes de tudo começar e escondeu-se atrás de uma enorme pedra barrenta e seca. Ficou ali imóvel, abraçando os joelhos e apertando seu colar com tanta força que um filete de sangue coloriu suas mãos. Pedia por ajuda como nunca pedira antes. 

Quando o sol começou a esconder-se timidamente por trás das montanhas, ela levantou e, de forma cuidadosa, voltou para sua aldeia. O que vira ali, nunca mais sairia da sua mente. Todos mortos. Todos! Caminhava ao lado daqueles que amou um dia, molhava os pés com o sangue ainda quente que cobria a terra. Ali estavam as crianças com quem brincava e todos que cuidavam dela. Eram uma família. Não acreditava no que aconteceu. Pouco mais a frente estava sua mãe, com o rosto desfigurado e voltado para o lugar onde a menina estivera pouco antes. Olhou dentro dos seus olhos mortos e não havia mais nada neles. Não havia medo, não havia preocupações, não havia amor. Sentou-se ao lado dela, afagou-lhe os cabelos e percebeu o quanto estava chorando. Nunca estivera tão só. 

Pouco depois, Khamalla cavou uma pequena cova. Não era funda, mas era o suficiente e o máximo que conseguiria. E ali, nesse pequeno buraco, ela enterrou sua mãe, seu colar, sua fé e seus deuses. Bateu a mão sobre a terra fofa, levantou-se e começou a caminhar, mas sentia as lágrimas voltando e começou a correr para longe de tudo. E corria, sozinha, em direção ao sol.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O Mundo de Dorothy


“[...] Tia Em estava saindo de casa para regar as couves, quando deu com Dorothy correndo na sua direção.

— Minha queridinha! — exclamou, apertando a menina entre os braços e cobrindo-lhe o rosto de beijos. — Onde você esteve esse tempo todo? 

Dorothy respondeu muito séria: 

— No Reino de Oz!” 

A mulher de cabelos vermelhos fechou o livro. Era o preferido de sua filha e estava lendo para ela, antes que dormisse. A criança nunca se cansava da história. Sempre ria e assustava-se. Envolvia-se de tal maneira que nem mesmo a mãe compreendia. Como brincadeira, a mãe sempre a chamava de minha pequena Dorothy. Colocou o livro sobre a mesinha próxima da cama. Sempre afastava o cabelo dos olhos cansados da filha e dava-lhe um amoroso beijo na testa. Após a leitura seguiu-se um silêncio absurdo no quarto. Até que uma lágrima caiu sobre o rosto puro e inocente da filha. A mulher de cabelos vermelhos chorava. Deus, como chorava! Os gritos acotovelavam-se em sua garganta, pedindo para serem soltos, como animais selvagens em uma jaula. Eles chegavam a machucar sua laringe. Gritos de desespero, molhados por mornas lágrimas de uma mãe. Ajoelhou-se ao lado da cama, encostou a cabeça no macio cobertor da filha e ali continuou com o choro, até que caiu em um sono profundo. Não era a primeira vez que isso acontecia. Todas as noites eram assim, desde que sua filha fora assassinada. Sua menina, uma criança de 5 anos, uma menina que envolvia tudo e todos com sua felicidade. Sua pequena Dorothy. E como sentia sua falta! Sempre foram apenas as duas. O pai nunca quis assumir seu papel. E como a mulher agradecia por sua menina não ter conhecido o tipo de pessoa que ele era. Mas nada disso importava mais. Tudo acabou, tudo deixou de fazer sentido, tudo tornou-se frio e tristeza. 

No dia da tragédia, a mulher estava em casa, fazendo um belo jantar para a filha, esperando a hora de buscá-la na escola. Ainda faltavam alguns minutos, mas o telefone tocou. Os segundos que se seguiram após atendê-lo foram os mais dolorosos de toda a sua vida. Não sabia como receber aquela notícia. Não queria acreditar! Na entrada da escola, a pequena Dorothy fora esfaqueada por um jovem que queria levar sua mochila. Ela recusou-se a entregar, mas não por fazer-se de durona, mas por medo. Por não saber o que estava acontecendo, por não ter tempo de interpretar o que era dito pelo jovem. Por inocência. Não foi lhe dado nenhuma chance de defesa. A faca, velha e torta, a perfurou bem no coração. O mesmo coração que a menina jurou dividir em dois para entregar uma metade ao homem de lata, quando o encontrasse, para que ele pudesse experimentar um pouco do amor que ela sentia. 

A mulher acordou confusa, cansada e ainda triste. Nunca mais fora feliz desde aquele dia. Nunca mais um sorriso foi moldado na sua face. Não sabia mais como conseguia acordar, como conseguia comer, como conseguia viver. Seus dias escorriam lenta e dolorosamente. Era absurda sua dor. 

Na noite seguinte, continuou com o que sempre fazia. Leu “O Mágico de Oz” ao lado da cama da filha. Dessa vez não chorou. Pela primeira vez não chorou. Levantou-se, foi até a cozinha, pegou uma faca e, sem hesitar, cravou-a em seu próprio coração. 

Foi encontrar sua filha. 

— Minha querida! — exclamou, apertando a menina entre os braços e cobrindo-lhe o rosto de beijos. — Onde você esteve esse tempo todo? 

Sua pequena Dorothy respondeu com um enorme sorriso: 

— No Reino de Oz!

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Vida em Xeque(-Mate)


Ele estava sentado, descansando do que estava por vir. Ficaria ali ainda por mais 20 horas. Não estava sozinho, pelo contrário, o lugar estava cheio. Alguns trabalhavam e outros, como ele, simplesmente esperavam. Nessa noite, nada havia acontecido. Nenhuma ”visita”. Tomou seu quarto copo de café e ouviu um barulho. Um barulho que significava que a tranquilidade acabava naquele momento e que precisava ir até a entrada principal e assim o fez. 

O som que vinha de fora aproximava-se cada vez mais. E mais. E mais. Até ficarem separados apenas pela porta metálica, que se abriu em um estrondo. Uma luz vermelha hipnótica invadiu o local ferozmente, indicando a urgência da situação. Entraram, junto com a luz, duas pessoas empurrando, sobre uma maca com rodas, uma terceira completamente imóvel, uma mulher, que aparentava ter 40 anos de idade. 

Ele faria sua parte a partir dali. 

Sem pensar, subiu na maca e começou a comprimir o peito da mulher. Fazia isso com a maca ainda em movimento, sendo levada imediatamente para o interior do hospital. E comprimia-lhe com tal esforço que nada se via a sua volta. Todos eram apagados e disformes. Somente via ali uma vida que queria deixar o corpo. E a sua função era tentar evitar isso. Não conhecia aquela mulher, não sabia seu nome, não sabia sobre sua história, não sabia sobre sua família, caso tivesse. Não sabia absolutamente nada sobre ela, mas isso não importava. Queria convencer aquele coração a bombear-lhe vida mais uma vez. Queria convencê-lo a dar àquela mulher um pouco mais do mundo, um pouco mais de tempo, um pouco mais de páginas. Não tinha muito tempo pra negociar com o órgão. Assim que passassem por mais uma porta, outro assumiria o seu lugar. Assumiria o dever de continuar com a negociação. E milhares de pensamentos bombardeavam a sua cabeça. Tanto sobre a vida quanto sobre a morte. Surpreendia-se de como conseguimos pensar em tantas coisas em tão pouco tempo, principalmente em situações extremas. Lembrou-se das etapas que precedem à morte: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Percebeu, naquele instante, que ele passava por tais sensações. Não queria perder uma vida bem abaixo das suas mãos, não aceitava muito bem tal derrota. Enfurecia-se ao imaginar que aquela pessoa não teria um amanhã pela simples recusa do coração de voltar com suas compressões. Injetava adrenalina, esperando que o órgão aceitasse essa propina e, consequentemente, fechasse o contrato. Nada funcionava. Iria perdê-la. Ela partiria tão subitamente quanto chegara naquele hospital. Não seria a primeira morte que presenciaria, mas todas o chocavam em algum aspecto. “Não se envolva tão profundamente com os pacientes” era o que sempre escutava. Tentava, mas não conseguia ser imparcial. E, pensando bem, nunca quis ser. Ficaria triste com aquela perda, mas a superaria como todas as outras. A outra porta abrira-se com a batida da maca e do outro lado estava aquele que o substituiria. Era hora de outro tentar. Desceu rapidamente e a viu ser levada. Aceitou não ter conseguido trazê-la de volta. Ainda havia esperança. Mas essa esperança não estava mais em suas mãos. Aceitou a sua provável morte. 

Havia uma conexão com cada paciente que entrava ali. Vivia intensamente a correria das urgências. Envolvia-se com cada história, ainda que curtas. Histórias que, muitas vezes, era ele mesmo quem escrevia. “Conheceu” a mulher por menos de trinta segundos. E nesse tempo desejou apenas que ela vivesse. Achou estranho pensar em como deu tudo de si para tentar salvar uma estranha. Mas naqueles segundos queria de todo o coração apenas isso. 

Continuou acompanhando a equipe até perdê-la de vista. Dirigiu-se ao seu lugar, do lado do seu quarto copo de café. Vazio naquela hora. Sentou-se. Seus braços estavam exaustos, mas sua cabeça estava a mil. Mas aos poucos foi voltando ao relaxamento, até mesmo ao tédio. Sabia que aquela não seria a única entrada da noite e devia estar pronto para a próxima situação, independentemente de qual fosse. 

Levantou-se e foi buscar seu quinto copo de café.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

A Menina Que Segurava o Tempo


Folhas e folhas sobre a sua mesa. O telefone não parava de gritar nem por um segundo. As mensagens chegavam à tela do computador na velocidade da luz. Não sabia mais as horas, mas era tarde, ou cedo. Seu gato, um animal com uma personalidade muito esquisita, diga-se de passagem, a fitava, como de costume. Era madrugada. Seus amigos estavam num bar, comemorando o ócio, enquanto ela o almejava. Tinha que dormir e sabia disso, mas os outros compromissos eram urgentes. Seu cérebro queria escorrer para fora da sua cabeça e dar uma simples deitada na cama, também coberta de papel e pressa. Só uma deitadinha. Ele sabia que merecia por ter passado tantas horas seguidas despejando informações nos seus giros e lobos. Ela, ao invés do repouso, queria tempo para fazer tudo e ficar livre. Desejou que o tempo parasse, mas, como era esperado, isso não aconteceu. Não naquele momento. Finalmente, ao ser vencida por todas as células do corpo, decidiu cair num dos sonos mais profundos que já tivera. 

Acordou com alguém batendo na sua porta. Abriu os olhos contra a sua vontade e procurou pelo relógio meio desorientada. Ele marcava 15 horas. Sentia que tivera um sonho estranho, mas não conseguia se lembrar. Levantou e seguiu o som que quebrou sua mente anestesiada em sonhos. Rodou a chave e abriu a porta. Não havia ninguém. Olhou para os lados. Ninguém. Entretanto, uma caixa sobre seu tapete de “Seja bem-vindo” lhe chamou a atenção. Era branca, com uma fita preta amarrada por cima. Pegou, meio desconfiada, o objeto e o levou para dentro. Nada de cartão, remetente ou qualquer pista da sua origem. Ela ficou encarando a caixa, como se esperasse uma resposta para o que estava acontecendo. Não respirava, não ouvia nada, nenhum movimento na casa, um silêncio absurdo. Criou coragem, removeu a fita e a abriu. Ficou surpresa, pois o tamanho da caixa era muito maior do que o seu conteúdo. Bem no fundo tinha uma pequena ampulheta de areia cinza. A pegou com cuidado, observou-a e percebeu que o orifício entre a parte superior e inferior podia ser fechado ou aberto. Bastava girar como se fosse abrir um pote. Naquele momento, esse orifício estava fechado. Olhou para o fundo da caixa e viu um bilhete. Nele estava escrito “Ao girar, o tempo será seu”. Não entendia absolutamente nada. O que estava acontecendo ali. Quem estava fazendo esse tipo de brincadeira com ela. Será que alguém pensou que ela acreditaria em tal coisa? Provavelmente era uma piada dos seus amigos, criticando sua vida atarefada. Deu uma risada de canto de boca e colocou a ampulheta sobre a mesa. Depois descobriria o autor do presente. 

Saiu de sua casa para almoçar. Caminhou rápido, comeu mais rápido ainda e voltou quase correndo. Continuava cheia de coisas pra fazer num tempo muito curto. Teve uma trégua com seu cérebro, já que lhe deu algumas horas de descanso. Sentou novamente na sua cadeira e afundou em pilhas de papel. Mas não conseguia parar de pensar na ampulheta. O que aquele recado queria dizer? E, afinal, se ela girasse nada aconteceria, pois era uma brincadeira, certo? Para matar esses pensamentos inúteis, foi buscar o objeto. Sem pensar muito, girou. Os pequenos grãos começaram a cair, olhou para os lados, procurando qualquer mudança e nada. Resolveu fechar o orifício novamente. No exato instante que girou percebeu que se gato estava sobre a mesa, passando do lado do vaso e este ia cair. Terminou o giro por reflexo e foi em direção à tragédia eminente. 

... 

Nada. 

O objeto não quebrou. Ele simplesmente desistiu de cair, como se aquilo não fosse do seu agrado. O gato não se movera nem mais um centímetro. O silêncio era tão brutal quanto o olhar da menina para o que estava acontecendo. Se é que aquilo estava acontecendo. Recompôs-se com certo cuidado. Foi em direção ao vaso que estava “caindo”. Tocou, passou a mão por baixo e o encarou. Por mais inacreditável que fosse, ele estava flutuando, preso dentro do ar. Pensou por alguns segundos, abriu a mão e olhou para a ampulheta, agora fechada. Sua areia não se movia, assim como tudo mais a sua volta. Correu em direção à caixa e releu o bilhete: “Ao girar, o tempo será seu”. Não era uma brincadeira. Estava acontecendo. Ela parou o tempo! 

Nas ruas, o cenário estático era o mesmo. Pessoas que estavam correndo, rindo e jogando ficaram congeladas, assim como nuvens e carros. Da mesma forma, estavam os animais. Aves levantando vôo e cães em meio ao latido. Achou tudo aquilo estranhamente maravilhoso, de uma beleza nunca dantes vista, e ela era a única que presenciava. Sentia-se poderosa e singular. Sentia uma picada de medo, mas o êxtase do momento distraía sua mente e seu corpo. Corria por entre as “estátuas” como se fosse uma criança no parque. Por vezes, sentia-se boba com as brincadeiras, mas depois lembrava que ninguém nunca saberá o que ela fazia naquele momento. Foi em direção de uma rua que costumava ser bastante movimentada, escondeu-se atrás de uma árvore próxima, tirou a ampulheta do bolso e girou. Uma explosão de movimento, cores e sons a sua frente. Tudo muito rápido. Girou novamente o objeto e a calma dominava o lugar por completo. Não podia estar mais feliz. 

Com o tempo ainda parado, voltou para casa, sentou-se em sua mesa e terminou todos os compromissos dos próximos meses. E gastou menos do que... nada. Não levou um segundo sequer. Resolveu deixar o tempo correr novamente, afinal, já tinha acabado tudo que tinha que fazer. E fizera até mais do que esperava. Riu e trouxe o movimento do mundo de volta. 

Durante dias ela bancava a rainha do tempo. Usava e abusava da ampulheta. Saía com os amigos todas as vezes, pois nunca mais conhecera o atraso ou a pressa. E foi quando voltava de um desses encontros que aconteceu uma coisa preocupante. O vidro que envolvia a areia estava trincado, e aumentava pouco a pouco de tamanho. Nenhum grão havia saído. Ainda. Colocou o dedo sobre o pequeno orifício que se abria. O que aconteceria se ela deixasse a areia cair? Por curiosidade, removeu o dedo e deixou um único grão pular para fora da sua eterna prisão de vidro e encontrar-se com o mundo que tanto interferiu. No exato momento que encontrou sua liberdade, o dedo cobriu novamente o buraco. Apenas um grão saíra. Tudo que estava no campo de visão da garota desfazia, borrava, girava, quebrava e passava. O tempo corria de uma maneira inimaginável, impossível acompanhar, com olhos humanos, o que acontecia. A picada de medo que sentiu no dia que conheceu a ampulheta tornou-se uma tortura de tão forte. O que estava acontecendo? Para onde o tempo estava indo? O que ela tinha feito? 

A loucura do tempo parou. Ela, ainda impedindo que os demais grãos de areia caíssem, olhou para o lado a procura de mudanças. Sua casa estava bastante empoeirada e uma pilha de correspondências dormia em silêncio aos pés da porta da frente. Pegou a que estava por cima e seu sangue gelou. A data indicava que havia se passado 50 anos. O único grão de areia que deixara sair a fez perder 50 anos de sua vida. Pegou o telefone e ligou para seus pais e amigos. Nenhum deles atendeu. Estava desesperada. Ela queria saber o que aconteceu nesses 50 anos! Um pouco mais tarde ela irá perceber que nunca mais verá seus amigos ou familiares. Encostou-se à parede e deslizou até o chão. Começou a chorar. Não se sentia singular, sentia-se sozinha. 

Descuidou-se por um instante e outros grãos fugiram. Toda a insanidade voltou a passar diante dos seus olhos. Não agüentava aquilo. Quanto tempo irá perder dessa vez? Por que a ampulheta quebrou? Quando tudo voltou ao “normal” o choque foi ainda maior. Ela não estava mais em sua casa. Parecia o mesmo lugar, mas apenas escombros cobriam o chão de tudo ao seu redor. Dessa vez não foram apenas 50 anos. A paisagem aparentava ser de milhares de anos do futuro. E a paisagem não mentia. A garota estava no meio do que, um dia, foi uma cidade cheia de pessoas. Caminhou por horas sem rumo. A cada passo que dava, via apenas a destruição que o tempo era capaz de fazer. A cidade estava morta, as pessoas estavam mortas, ela desejava a morte. 

Abriu a mão e a ampulheta estava lá. A menina segurava aquilo que matara a todos. Todos que amava não estavam mais ali e nunca estarão. Tudo foi passado para trás, como se sua vida apenas tivesse sido folheada. O ódio pelo objeto cresceu a ponto de desistir de seus grãos e dar-lhes a liberdade. Jogou a ampulheta no chão com força. Nova explosão de cores, mas dessa vez não estava diante dos seus olhos. Ela era a explosão, era as cores, era os sons, era o borrado. Deixou-se levar pelo tempo. Não tinha mais nada a perder. O tempo que lhe tirara tudo era o mesmo para quem se entregava. E ela simplesmente foi. Para onde? Para quando? 

Acordou com alguém batendo na sua porta. Abriu os olhos contra a sua vontade e procurou pelo relógio meio desorientada. Ele marcava 15 horas. Sentia que tivera um sonho estranho, mas não conseguia se lembrar.

domingo, 5 de junho de 2011

Os Capitães de Jorge

Abro espaço aqui para colocar um dos trechos que mais me chama a atenção na literatura brasileira. Um parágrafo do livro “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, que, a meu ver tange a perfeição e alcança seu leitor de todas as formas, independentemente, de quem o seja. Fato conseguido por poucos. Peço licença ao falecido, mas eternizado, autor.

[...] Desceram para o trapiche. A chuva entrava pelos buracos do teto, a maior parte dos meninos se amontoavam nos cantos onde ainda havia telhado. O Professor tentara acender sua vela, mas o vento parecia brincar com ele, apagava-a de minuto a minuto. Afinal ele desistiu de ler essa noite e ficou peruando um jogo de sete-e-meio que o Gato bancava, ajudado por Boa-Vida, num canto. Moedas no chão, mas nenhum rumor desviava Pirulito das suas orações diante da Virgem e de Santo Antônio. Nestas noites de chuva eles não podiam dormir. De quando em vez a luz de um relâmpago iluminava o trapiche e então se viam as caras magras e sujas dos Capitães da Areia. Muitos deles eram tão crianças que temiam ainda dragões e monstros lendários. Se chegavam para junto dos mais velhos, que apenas sentiam frio e sono. Outros, os negros, ouviram no trovão a voz de Xangô. Para todos estas noites de chuva eram terríveis. Mesmo para o Gato, que tinha uma mulher em cujo seio escondia a jovem cabeça, as noites de temporal eram noites más. Porque nestas noites homens que na cidade não têm onde reclinar a sua cabeça amedrontada, que não têm senão uma cama de solteiro e querem esconder num seio de mulher o seu temor, pagavam para dormir com Dalva e pagavam bem. Assim o Gato ficava no trapiche, bancando jogos com seu baralho marcado, ajudado na roubalheira pelo Boa-Vida. Ficavam todos juntos, inquietos, mas sós todavia, sentindo que lhes faltava algo, não apenas uma cama quente num quarto coberto, mas também doces palavras de mãe ou de irmã que fizessem o temor desaparecer. Ficavam todos amontoados e alguns tiritavam de frio, sob as camisas e calças esmolambadas. Outros tinham paletós furtados ou apanhado sem lata de lixo, paletós que utilizavam como sobretudo. O Professor tinha mesmo um sobretudo, de tão grande arrastava no chão [...].

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Lugar para dois

Entrou no quarto, jogou a mala sobre a cama e a abriu. Estava cansado das horas de viagem. 

A casa em que estava era a mesma em que passava as férias com seu irmão. Compraram-na juntos e queriam justamente um lugar na beira da praia, que fosse tão deserto quanto bonito. A sensação de calma reinava em absoluta sincronia com as ondas do mar e a cor da areia. A casa era, de uma forma geral, bem simples, com apenas um andar e pouco mobiliada. Tinha apenas o necessário. Contudo, o lugar em que ambos os irmãos mais gostavam não estava em seu interior, mas na sua fachada. Nessa, eles colocavam duas cadeiras e uma mesinha entre elas, tudo de madeira e sobre a areia branca. Ficavam horas ali, tomando cerveja, conversando, rindo, bebendo um pouco mais e, por muitas vezes, caindo, justificando muitos dos risos. Um nunca começava a beber antes de o outro chegar, esse era o acordo. Mas, por incrível que pareça, em todas as vezes eles chegaram juntos, sem marcar horário. Moravam em cidades diferentes e aquele era um momento só deles, um momento que ia além do simples reencontro. Era ali que um sempre tinha a certeza da presença do outro, a certeza de que, cada vez que se separavam, haveria aquela casa para onde voltariam e se sentariam nas mesmas cadeiras, que passam a maior parte do tempo esperando por seus donos. Por muitas vezes, dia e noite confundiam-se. Não importavam horários, compromissos ou problemas. Ali era um local parado no tempo e no espaço ou, pelo menos, era o que gostavam de pensar. A história que escreviam ali não era uma simples farra entre irmãos, sabiam que era algo mais. Trocavam confiança, companheirismo e amizade. Compartilhavam suas vidas. Era incrível como tão pouca coisa se transformava nesses momentos únicos.

Fechou a mala e saiu da casa. Foi no carro e pegou algumas cervejas que comprara na estrada, colocou algumas sobre a mesa, sentou-se na sua cadeira e começou a beber. 

Dessa vez não havia conversa, não havia risos, não havia quedas e não havia outra cadeira.

domingo, 24 de abril de 2011

Um dia de cada vez...

[Domingo/24 de abril - 19h00min] 

Estão todos sentados em uma sala timidamente iluminada, dispostos em um círculo de cadeiras. São os únicos móveis presentes. Todas as pessoas, exceto uma, aparentam freqüentar o lugar há um certo tempo. Conversam entre si e preenchem com sons o grande vazio do local, aguardando o evento da noite começar. O homem, que aparenta ser novo, permanece de cabeça baixa, ansioso e fechado dentro dos próprios pensamentos. Quer ir embora, mas não antes de fazer aquilo que o trouxe até ali. Precisava fazer, estava certo disso. Por vezes, erguia os olhos, observava todas aquelas pessoas e sentia-se deslocado, mas não queria estar em outro lugar, ou queria. Não tinha certeza de nada naquela noite. 

O dia anterior era o responsável por ele estar nessa sala. 


[Sábado/23 de abril – 9h00min] 

Levantou às 9 da manhã, mas acordou de verdade uns 30 minutos depois. Ao abrir os olhos sentia o corpo completamente cansado e destruído. A cama fora desarrumada durante os pesadelos e encontrava-se banhada em suor e fraqueza. O sol já ocupava metade do quarto e vinha em sua direção. Não conseguiria encarar a sua luz, mas não sabia como levantar. Tentou algumas vezes e acabou conseguindo. Estava tonto e rastejava até a cozinha. A boca extremamente seca e pálida implorava por água. Os olhos, quase que cerrados, o fazia esbarrar em tudo pelo caminho. Abriu a geladeira e começou a beber todas as garrafas que havia até encher todo o estômago, mas chegou um ponto que a sede estava saciada e continuou com os goles, como se tentasse, inutilmente, preencher outro vazio dentro do corpo. Queria vomitar. Sentou-se no chão e começou a chorar. 


[Sábado/23 de abril – 0h00min] 

Estava na calçada, longe de qualquer poste e de qualquer pessoa. Andava com as mãos no bolso e olhando para todas as direções, como se escutasse tiros de todos os lados. Entrou em um pequeno beco e tirou objetos do bolso. Uma colher, um saquinho, um isqueiro, uma garrafa e uma seringa. Combinava tudo de uma maneira tão precisa que evidenciava já ter tido experiências anteriores àquela. Colocou o conteúdo do saquinho na colher com um pouco de água, ferveu a mistura e a sugou para dentro da seringa. Fechou os olhos, não pela dor da agulha, mas para sentir-se só naquele momento, sem olhares, sem julgamentos, sem ninguém. À medida que o líquido entrava na sua corrente sanguínea, sentia algo incrível e indescritível. Era como se todos os prazeres do mundo derramassem em seu cérebro. Não estava preso ao chão, mas não flutuava. Era a calmaria e a leveza da morte unindo-se ao pulsar da vida. Alguns descreviam tal sensação como ‘um beijo de Deus’. O êxtase durou mais alguns minutos. Ele estava deitado no chão, num estado cadavérico. Arrastou-se até seu apartamento e caiu em sua cama. Dormiu. 


[Domingo/24 de abril - 19h00min] 

Um homem de terno entrou na sala. A atmosfera de sons foi diluindo até cessar por completo, sendo seguida de cumprimentos de “boa noite”. Levantou a cabeça e o viu sentando do lado oposto ao que estava. O homem de terno disse:- Vamos iniciar a reunião? 

Todos concordaram e uma mulher levantou-se. 

- Oi. Meu nome é Taís. Estou 43 dias “limpa”. Um dia de cada vez. 

Foi seguida pelos demais: 

- Oi. Meu nome é Antônio. Estou 20 dias “limpo”. Um dia de cada vez. 

- Oi. Meu nome é Rafael. Estou 137 dias “limpo”. Um dia de cada vez. 

- Oi. Meu nome é... um dia de cada vez. 

- Oi. Meu nome é...um dia de cada vez. 

O homem novo levantou-se, um pouco desconfiado, e disse: 

- Oi. Essa é a primeira vez que venho aqui, que procuro ajuda. Não estou certo de fazer isso, mas não sei mais o que fazer. Desculpem, esqueci de falar meu nome. Eu sou Gabriel e estou 1 dia “limpo”. 

Sentou-se e sussurrou apenas para si: “um dia de cada vez...”

sábado, 9 de abril de 2011

Save Point

Quantas pessoas você conhece? Quando trocou o primeiro “oi” com cada uma delas? De quantas já esqueceu? Muitas vezes paro pra pensar sobre todos que me cercam, principalmente, sobre aqueles que tenho algum tipo de ligação. Quando conheci meus amigos? Sinceramente, eu não faço idéia do dia e posso apenas deduzir o lugar. A memória é falha nessas horas. Mas eu sinto que já os conhecia mesmo antes de saber da sua existência e eles sempre estiveram lá. Lá onde? Não sei. No passado, no futuro, perto ou até mesmo bem distantes, mas os esperei me alcançarem ou, pelo contrário, me esperaram. Como explicar essa conexão que criamos com certas pessoas? Ou melhor, isso deve ser explicado? E quando passo a compartilhar minha vida, recebo de volta o mesmo e devo aprender a cuidar de ambas. E assim o farei. Com uma satisfação sem igual, porque me sinto bem fazendo parte daquela pessoa especificamente. Aquela que conhecerei cada dia mais, que sentirei falta alguns minutos depois de tê-la visto, que me ensinará muitas coisas, que me fará surpresas pela simples vontade de me fazer rir, que me contará do seu dia e me perguntará sobre o meu, que brigará comigo quando eu errar feio, que estará do meu lado nas minhas maiores vitórias e derrotas e que, bobamente, me passará a impressão de que coisas boas estão por vir. Todos nós precisamos de pessoas assim para ajudar-nos a seguir em frente ou a parar para descansar um pouco da agitação da vida. São elas que nos salvam em meio ao caos, que nos fazem deitar e sorrir antes que o sono chegue e nos fazem ter fé em tudo novamente.
E nada disso precisa ser dito, pois as atitudes bastam. 

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Papo cabeça (com erros e luxúria)


O Luiz pegou as camisetas ejalecos comvc na hora do almoço? Não. Então, no intervalo, vamos fazer isso: buscar tudo aqui pra sala, ok? Hoje nós vamos contabilizar o que veendemos. Pensarei no seu caso. Sou difícil. A-DO-RO! Por isso eu sou. Oi. Oi. Falei pra duda q tamo falando dela. Huahuahua. Lol Laugh Out Loud. Acesse: www.bananasdeoutono.blogspot.com e divirta-se com games entrevistas e muito mais. Desiquilíbrio. Ri por dentro. Gozei por dentro. ECa. Dentro de q~ A flight of stairs = um lance de degraus

domingo, 3 de abril de 2011

Porta-copo

—Um cappuccino, por favor.

 Sempre que saía do seu emprego dava uma passada em um Café para um lanche de fim de tarde, por dois motivos: gostava do ambiente e, principalmente, porque não havia muita comida na sua casa. Não que lhe faltasse dinheiro, mas tudo apodrecia muito rápido. Odiava quando as datas de vencimento dos produtos chegavam e adorava tudo que durasse até 2018.

—O seu cappuccino, senhor. – disse a garçonete.

Pegou a xícara e antes de colocar na mesa percebeu uma coisa que nunca tinha lhe chamado a atenção. Ela estava repleta de pequenos círculos gravados na madeira, lembrando tatuagens. Aparentavam, realmente, fazer parte daquela superfície. Não achou estranho as marcas, mas, sim, o fato de ter reparado nelas. Por que uma coisa tão simples desviou seus pensamentos? E por que nunca havia lhes dado atenção? Depois de alguns segundos olhando para aquele evento, ridiculamente, efêmero, pensou: “São apenas marcas de copos de café e de cerveja”. Mesmo tentando ignorá-las, não conseguia e, por conseqüência, mergulhou ainda mais em cada um dos círculos. Começou a imaginar, ou melhor, começou a ver nitidamente a história de cada um deles.

Algumas das marcas, que julgava serem de cerveja, representariam uma pequena comemoração entre amigos. Saíram de um longo dia de trabalho na sexta-feira e pararam no primeiro lugar que vendesse álcool e ali beberam para relaxar, tatuando a mesa.

Percebeu mais duas, uma bem na frente da outra. Imaginou que poderia ter sido um pedido de casamento. Um homem sai mais cedo do escritório e passa para pegar sua namorada na livraria, dizendo que lhe faria uma surpresa. Parou no Café, que, a seu ver, era um lugar, relativamente, romântico. Pediram suas bebidas e antes dos copos esvaziarem, ele ajoelhou e disse o que estava ansioso para dizer durante todo o dia.
No canto esquerdo da mesa havia uma marca solitária. Imaginou ser uma mulher. Ela acordou e se sentia muito feliz, uma felicidade sem explicação. Combinou de encontrar com seu namorado naquele lugar. Ela chegou antes e pediu uma limonada. Ele, um pouco atrasado, falou que não beberia nada, pois o que tinha de dizer era rápido. Disse e levantou-se. A moça chorou e sentiu-se extremamente triste, mas dessa vez sua tristeza tinha explicação.

E assim foi durante mais alguns minutos. Histórias e mais histórias surgiam na sua mente e ele as tomava como verdade. Tudo começou a fazer parte da sua própria realidade e se sentia tão parte daquilo. Sentia o total oposto da solidão. Sentia-se vivo e sentia o pulsar da cidade. Olhava para as ruas e via o intenso tráfego de história. Cada uma com sua singularidade, seu passado, suas dores e seus amores. Várias vidas que poderiam ou não estar cruzadas e das quais nunca terá conhecimento.

Durante sua chuva de pensamentos, a garçonete passava um pano na mesa, apagando o livro escrito com suor de copos. O livro que ele e tantos outros estranhos escreveram. Teve um breve instante de choque, sentindo que todas as histórias foram apagadas para sempre. Sentiu-se triste por estar agora diante de uma simples mesa.

Terminou seu cappuccino e levantou-se. Percebeu que a madeira tinha uma nova marca. A sua marca.

Sorriu e foi para a rua.

Nascimento

Nome: Bananas de Outono
Data de nascimento: 03/04/2011
Filiação: Mantras de Outono (http://mantrasdeoutono.blogspot.com/)
              Tomada Banana (http://tomadabanana.blogspot.com/)

Começarei um blog nesse exato momento, estimulado pelo Pacato (com seus delírios sonolentos) e pelo Guilherme Navarro (que adora teatro).