domingo, 3 de abril de 2011

Porta-copo

—Um cappuccino, por favor.

 Sempre que saía do seu emprego dava uma passada em um Café para um lanche de fim de tarde, por dois motivos: gostava do ambiente e, principalmente, porque não havia muita comida na sua casa. Não que lhe faltasse dinheiro, mas tudo apodrecia muito rápido. Odiava quando as datas de vencimento dos produtos chegavam e adorava tudo que durasse até 2018.

—O seu cappuccino, senhor. – disse a garçonete.

Pegou a xícara e antes de colocar na mesa percebeu uma coisa que nunca tinha lhe chamado a atenção. Ela estava repleta de pequenos círculos gravados na madeira, lembrando tatuagens. Aparentavam, realmente, fazer parte daquela superfície. Não achou estranho as marcas, mas, sim, o fato de ter reparado nelas. Por que uma coisa tão simples desviou seus pensamentos? E por que nunca havia lhes dado atenção? Depois de alguns segundos olhando para aquele evento, ridiculamente, efêmero, pensou: “São apenas marcas de copos de café e de cerveja”. Mesmo tentando ignorá-las, não conseguia e, por conseqüência, mergulhou ainda mais em cada um dos círculos. Começou a imaginar, ou melhor, começou a ver nitidamente a história de cada um deles.

Algumas das marcas, que julgava serem de cerveja, representariam uma pequena comemoração entre amigos. Saíram de um longo dia de trabalho na sexta-feira e pararam no primeiro lugar que vendesse álcool e ali beberam para relaxar, tatuando a mesa.

Percebeu mais duas, uma bem na frente da outra. Imaginou que poderia ter sido um pedido de casamento. Um homem sai mais cedo do escritório e passa para pegar sua namorada na livraria, dizendo que lhe faria uma surpresa. Parou no Café, que, a seu ver, era um lugar, relativamente, romântico. Pediram suas bebidas e antes dos copos esvaziarem, ele ajoelhou e disse o que estava ansioso para dizer durante todo o dia.
No canto esquerdo da mesa havia uma marca solitária. Imaginou ser uma mulher. Ela acordou e se sentia muito feliz, uma felicidade sem explicação. Combinou de encontrar com seu namorado naquele lugar. Ela chegou antes e pediu uma limonada. Ele, um pouco atrasado, falou que não beberia nada, pois o que tinha de dizer era rápido. Disse e levantou-se. A moça chorou e sentiu-se extremamente triste, mas dessa vez sua tristeza tinha explicação.

E assim foi durante mais alguns minutos. Histórias e mais histórias surgiam na sua mente e ele as tomava como verdade. Tudo começou a fazer parte da sua própria realidade e se sentia tão parte daquilo. Sentia o total oposto da solidão. Sentia-se vivo e sentia o pulsar da cidade. Olhava para as ruas e via o intenso tráfego de história. Cada uma com sua singularidade, seu passado, suas dores e seus amores. Várias vidas que poderiam ou não estar cruzadas e das quais nunca terá conhecimento.

Durante sua chuva de pensamentos, a garçonete passava um pano na mesa, apagando o livro escrito com suor de copos. O livro que ele e tantos outros estranhos escreveram. Teve um breve instante de choque, sentindo que todas as histórias foram apagadas para sempre. Sentiu-se triste por estar agora diante de uma simples mesa.

Terminou seu cappuccino e levantou-se. Percebeu que a madeira tinha uma nova marca. A sua marca.

Sorriu e foi para a rua.

3 comentários:

  1. Tinha certeza que o que eu leria aqui seria de qualidade. Mas ainda assim, ao final do texto, fiquei surpreso! Muito bom! Você encadeou as ideias de um jeito muito bacana e sua escrita tem uma fluência muito agradável!

    Orgulhoso de você!

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  2. Cara, eu tenho muito a ver com seu personagem. Eu me pego inventando histórias em frações de segundo a partir das coisas mais imbecis que eu vejo na rua.
    E ocê mandou muito bem. Sua estréia, demorada, valeu a espera!
    Simples e eficiente.

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  3. Preciso nem dizer que gostei né... disso você já sabe. Mas foi mais do que apenas gostar. Foi a sensação de ver um lado seu que eu ainda não tinha visto, e eu gostei do que eu vi.
    Parabéns, ficou muito bom =)

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