domingo, 7 de abril de 2013

Algodão-doce



Querida Ellie, 

Começo a escrita dessa carta já com os olhos úmidos, a mão tremendo mais do que o de costume e o amor que sinto por você maior do que jamais fora. 

Já se passaram 80 anos desde a primeira vez em que nos vimos. Você se lembra? Éramos duas crianças e nos encontramos no parque após a missa de domingo, enquanto nossos pais nos compravam algodão-doce. Lembro-me de cada detalhe, pois nesse dia eu experimentei, pela primeira vez, a tão sonhada sensação de parar o tempo. Enquanto tudo ao redor se transformava numa fotografia amarelada, você irradiava uma beleza sublime, majestosa, pura. Desde então você é o colorido de cada uma das minhas manhãs, aquecendo minha alma, afagando meu coração tão rabugento e fazendo do mundo um lugarzinho nosso. Minha amada Ellie, você segurou minhas mãos jovens e firmes ao colocar minha aliança e segurou essas mãos enrugadas e hesitantes ao dizer que tudo ficaria bem comigo essa manhã. Me desculpe por ter lhe assustado na noite anterior quando você precisou trazer-me ao hospital. Não esperava que as coisas acontecessem dessa maneira. Eu já estou doente há algum tempo, mas, por favor, Ellie, não brigue comigo por não ter lhe contado, simplesmente não consigo dizer algo que traga outra expressão ao seu rosto que não um sorriso. Porque você me faz sorrir nessa vida, e como! Você é quem sabe contornar a minha teimosia, usando apenas seu jeitinho doce de falar. Você é quem sabe o quanto adoro seus abraços quando saio do banho. Você é quem sabe amar esse coração que sempre foi seu. 

Desculpe-me se minha letra está ficando pior, mas não consigo controlar minhas mãos e minhas lágrimas. Me perdoe também por deixá-la sozinha pela primeira vez. Lembre-se de trancar a janela da sala porque você sempre me pedia pra levantar e conferir quando ouvia um barulho durante a noite. Lembre-se de tomar seu remédio ao acordar, o seu é a caixinha azul... e a minha é a vermelha, mas acredito que essa não precisaremos mais. Não se esqueça de fazer seus exercícios e comer direito, como o médico disse. Ah meu amor, como eu queria lhe fazer um café-da-manhã mais uma vez, pelo menos mais uma vez. E sentar-me e apenas observar você comendo, com uma carinha de sono e ainda com seu pijama. Dormir sempre foi uma de suas paixões, não é mesmo? E dormir ao seu lado sempre foi a minha. 

Obrigado por essa vida que você me deu. Agradeço à menina do parque que me deu um pedaço do seu algodão-doce 80 anos atrás. Agradeço à mulher que caminhou ao meu lado e que amei por 80 anos e continuarei amando onde quer que eu esteja. 

Meu amor por você sempre foi o maior que se pode sentir, mesmo quando o coração enfraquecia, meu amor permanecia inabalável. 


                           Minha querida Ellie, eu te amo! 



   Do seu amado, C. F.