[Domingo/24 de abril - 19h00min]
Estão todos sentados em uma sala timidamente iluminada, dispostos em um círculo de cadeiras. São os únicos móveis presentes. Todas as pessoas, exceto uma, aparentam freqüentar o lugar há um certo tempo. Conversam entre si e preenchem com sons o grande vazio do local, aguardando o evento da noite começar. O homem, que aparenta ser novo, permanece de cabeça baixa, ansioso e fechado dentro dos próprios pensamentos. Quer ir embora, mas não antes de fazer aquilo que o trouxe até ali. Precisava fazer, estava certo disso. Por vezes, erguia os olhos, observava todas aquelas pessoas e sentia-se deslocado, mas não queria estar em outro lugar, ou queria. Não tinha certeza de nada naquela noite.
O dia anterior era o responsável por ele estar nessa sala.
[Sábado/23 de abril – 9h00min]
Levantou às 9 da manhã, mas acordou de verdade uns 30 minutos depois. Ao abrir os olhos sentia o corpo completamente cansado e destruído. A cama fora desarrumada durante os pesadelos e encontrava-se banhada em suor e fraqueza. O sol já ocupava metade do quarto e vinha em sua direção. Não conseguiria encarar a sua luz, mas não sabia como levantar. Tentou algumas vezes e acabou conseguindo. Estava tonto e rastejava até a cozinha. A boca extremamente seca e pálida implorava por água. Os olhos, quase que cerrados, o fazia esbarrar em tudo pelo caminho. Abriu a geladeira e começou a beber todas as garrafas que havia até encher todo o estômago, mas chegou um ponto que a sede estava saciada e continuou com os goles, como se tentasse, inutilmente, preencher outro vazio dentro do corpo. Queria vomitar. Sentou-se no chão e começou a chorar.
[Sábado/23 de abril – 0h00min]
Estava na calçada, longe de qualquer poste e de qualquer pessoa. Andava com as mãos no bolso e olhando para todas as direções, como se escutasse tiros de todos os lados. Entrou em um pequeno beco e tirou objetos do bolso. Uma colher, um saquinho, um isqueiro, uma garrafa e uma seringa. Combinava tudo de uma maneira tão precisa que evidenciava já ter tido experiências anteriores àquela. Colocou o conteúdo do saquinho na colher com um pouco de água, ferveu a mistura e a sugou para dentro da seringa. Fechou os olhos, não pela dor da agulha, mas para sentir-se só naquele momento, sem olhares, sem julgamentos, sem ninguém. À medida que o líquido entrava na sua corrente sanguínea, sentia algo incrível e indescritível. Era como se todos os prazeres do mundo derramassem em seu cérebro. Não estava preso ao chão, mas não flutuava. Era a calmaria e a leveza da morte unindo-se ao pulsar da vida. Alguns descreviam tal sensação como ‘um beijo de Deus’. O êxtase durou mais alguns minutos. Ele estava deitado no chão, num estado cadavérico. Arrastou-se até seu apartamento e caiu em sua cama. Dormiu.
[Domingo/24 de abril - 19h00min]
Um homem de terno entrou na sala. A atmosfera de sons foi diluindo até cessar por completo, sendo seguida de cumprimentos de “boa noite”. Levantou a cabeça e o viu sentando do lado oposto ao que estava. O homem de terno disse:- Vamos iniciar a reunião?
Todos concordaram e uma mulher levantou-se.
- Oi. Meu nome é Taís. Estou 43 dias “limpa”. Um dia de cada vez.
Foi seguida pelos demais:
- Oi. Meu nome é Antônio. Estou 20 dias “limpo”. Um dia de cada vez.
- Oi. Meu nome é Rafael. Estou 137 dias “limpo”. Um dia de cada vez.
- Oi. Meu nome é... um dia de cada vez.
- Oi. Meu nome é...um dia de cada vez.
O homem novo levantou-se, um pouco desconfiado, e disse:
- Oi. Essa é a primeira vez que venho aqui, que procuro ajuda. Não estou certo de fazer isso, mas não sei mais o que fazer. Desculpem, esqueci de falar meu nome. Eu sou Gabriel e estou 1 dia “limpo”.
Sentou-se e sussurrou apenas para si: “um dia de cada vez...”