segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O Mundo de Dorothy


“[...] Tia Em estava saindo de casa para regar as couves, quando deu com Dorothy correndo na sua direção.

— Minha queridinha! — exclamou, apertando a menina entre os braços e cobrindo-lhe o rosto de beijos. — Onde você esteve esse tempo todo? 

Dorothy respondeu muito séria: 

— No Reino de Oz!” 

A mulher de cabelos vermelhos fechou o livro. Era o preferido de sua filha e estava lendo para ela, antes que dormisse. A criança nunca se cansava da história. Sempre ria e assustava-se. Envolvia-se de tal maneira que nem mesmo a mãe compreendia. Como brincadeira, a mãe sempre a chamava de minha pequena Dorothy. Colocou o livro sobre a mesinha próxima da cama. Sempre afastava o cabelo dos olhos cansados da filha e dava-lhe um amoroso beijo na testa. Após a leitura seguiu-se um silêncio absurdo no quarto. Até que uma lágrima caiu sobre o rosto puro e inocente da filha. A mulher de cabelos vermelhos chorava. Deus, como chorava! Os gritos acotovelavam-se em sua garganta, pedindo para serem soltos, como animais selvagens em uma jaula. Eles chegavam a machucar sua laringe. Gritos de desespero, molhados por mornas lágrimas de uma mãe. Ajoelhou-se ao lado da cama, encostou a cabeça no macio cobertor da filha e ali continuou com o choro, até que caiu em um sono profundo. Não era a primeira vez que isso acontecia. Todas as noites eram assim, desde que sua filha fora assassinada. Sua menina, uma criança de 5 anos, uma menina que envolvia tudo e todos com sua felicidade. Sua pequena Dorothy. E como sentia sua falta! Sempre foram apenas as duas. O pai nunca quis assumir seu papel. E como a mulher agradecia por sua menina não ter conhecido o tipo de pessoa que ele era. Mas nada disso importava mais. Tudo acabou, tudo deixou de fazer sentido, tudo tornou-se frio e tristeza. 

No dia da tragédia, a mulher estava em casa, fazendo um belo jantar para a filha, esperando a hora de buscá-la na escola. Ainda faltavam alguns minutos, mas o telefone tocou. Os segundos que se seguiram após atendê-lo foram os mais dolorosos de toda a sua vida. Não sabia como receber aquela notícia. Não queria acreditar! Na entrada da escola, a pequena Dorothy fora esfaqueada por um jovem que queria levar sua mochila. Ela recusou-se a entregar, mas não por fazer-se de durona, mas por medo. Por não saber o que estava acontecendo, por não ter tempo de interpretar o que era dito pelo jovem. Por inocência. Não foi lhe dado nenhuma chance de defesa. A faca, velha e torta, a perfurou bem no coração. O mesmo coração que a menina jurou dividir em dois para entregar uma metade ao homem de lata, quando o encontrasse, para que ele pudesse experimentar um pouco do amor que ela sentia. 

A mulher acordou confusa, cansada e ainda triste. Nunca mais fora feliz desde aquele dia. Nunca mais um sorriso foi moldado na sua face. Não sabia mais como conseguia acordar, como conseguia comer, como conseguia viver. Seus dias escorriam lenta e dolorosamente. Era absurda sua dor. 

Na noite seguinte, continuou com o que sempre fazia. Leu “O Mágico de Oz” ao lado da cama da filha. Dessa vez não chorou. Pela primeira vez não chorou. Levantou-se, foi até a cozinha, pegou uma faca e, sem hesitar, cravou-a em seu próprio coração. 

Foi encontrar sua filha. 

— Minha querida! — exclamou, apertando a menina entre os braços e cobrindo-lhe o rosto de beijos. — Onde você esteve esse tempo todo? 

Sua pequena Dorothy respondeu com um enorme sorriso: 

— No Reino de Oz!

2 comentários:

  1. Rony, seu dom me impressiona a cada dia. Adorei seu texto, excelente qualidade. Continue escrevendo! XD

    ResponderExcluir
  2. Há pouco tempo acompanho seu blog, mas já percebi o quanto você escreve bem. Seus textos são incríveis. Quanto talento.(;

    ResponderExcluir