sábado, 29 de outubro de 2011

Curar


Abriu a porta com muito cuidado. Não queria fazer nenhum ruído. Entrou com calma e chamou os que estavam atrás dele para que entrassem. No quarto havia várias camas, mas seus ocupantes estavam adormecidos, calmos, puros na brancura dos sonhos. Cada um dos que entravam posicionava-se ao lado de um dos sonhadores, aguardando o momento certo para agir. Pareciam nem mesmo respirar. Entreolharam-se. 

Era hora. 

O que se encontrava mais próximo a porta ligou o som que trazia e a música expulsou todo o silêncio que ali repousava. Ao mesmo tempo, todos os outros beijaram os rostos adormecidos e depois gritaram, com um enorme sorriso, “Bom dia!”. Os sustos duraram uma fração de segundos e foram logo substituídos pelas risadas angelicais e inocentes das crianças das camas. Havia balões, chuva de confetes de todas as cores, palhaços dançando e fazendo malabarismos. As gargalhadas invadiam todo o prédio, quarto por quarto, pessoa por pessoa. Médicos, enfermeiros e pacientes acotovelavam-se para olhar a alegria das crianças pelo pequeno vidro da porta. E os que conseguiam ver, mesmo que por um segundo, já eram infectados pela sensação e, simplesmente, sorriam junto. Sorriam sem nem mesmo conhecer uma daquelas crianças. Mas o que importava isso? Eram crianças e pronto! E nada era mais belo que aquilo. Dentro do quarto, a empolgação era tanta, que muitos já estavam pulando de cama em cama, enquanto outros tentavam pegar os balões que lhes fugiam das pequenas mãos. 

No canto, rostos eram pintados de acordo com as mais diferentes escolhas que saíam da imaginação fértil das crianças. Um menino, com desenho de focinho de cachorro correu pelo quarto latindo e dando beijos, que pareciam mais lambidas, nos rostos das meninas, que sorriam e ficavam envergonhadas. Uma pequena garotinha fez um desenho de uma coroa de ouro na sua pequena cabeça branca, como a neve. Não havia um fio de cabelo sequer em sua cabeça, mas não importava. Não ali e não agora. Simplesmente desfilava com sua jóia e seu lençol como se fosse a mais bela das rainhas. E realmente era. Todos faziam reverência enquanto passava por eles. E como ela ria lindamente. Um menino pediu o nariz vermelho de um dos palhaços, que lhe perguntou o porquê de tal desejo. A criança simplesmente disse: “Porque eu quero ser feliz todos os dias!”. O palhaço o olhou por alguns segundos, o abraçou e o rodou no ar. Quando estavam de volta no chão, tirou o próprio nariz e o colocou naquela cara cheia de esperança. O menino agradeceu e saiu pulando por entre os balões. 

Em algum tempo, as gargalhadas começaram a dar lugar aos bocejos e pálpebras pesadas. Foram todos para as respectivas camas e ouviram uma bela história, encenada por todos os palhaços. Alguns conseguiram ouvi-la até o final, mas outros não tinham mais energia e adormeciam. Mas logo depois, todos estavam vivendo os mais belos sonhos. Dormiam como princesas, cachorros, fadas, anjos, gatinhos. Dormiam com a eterna felicidade de um simples nariz vermelho.

3 comentários:

  1. "Não ali e não agora".
    Típico texto que é lido na íntegra com um sorriso de satisfação no canto da boca.

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  2. Sua narrativa é coesa, simétrica, com períodos do tamanho certo e as palavras nos lugares certos (mesmo sendo difícil definir certo, mas é o que eu sinto), e você não precisa de muito espaço para expressar-se. Há uma espécie de perfeição e organização na sua escrita que eu invejo, positivamente.

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  3. Seus textos são lindos. Você sabe transformar o cotidiano em poesia. Amei este texto da pureza da infância. Parabéns!!

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