quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Espaço Morto



Os amigos em pé ao seu redor em um típico círculo social, copos nas mãos, vozes alterando-se algumas vezes, assuntos nem tão importantes e nem tão irrelevantes. Falavam, falavam, ao mesmo tempo ou individualmente, disputavam a audição dos demais. Enquanto isso, ele apenas observava. Revezava o olhar entre o ambiente, as bocas sendo escancaradas para que as palavras escapassem, o próprio copo que se esvaziava mais rápido do que conseguia perceber. Olhava frequentemente para o chão em busca de nada, fugindo de alguma coisa que nem mesmo sabia. Ou no fundo sabia, mas não tinha certeza sobre a vontade de fugir. Abriu a boca e começou a falar por cerca de um minuto e quando acabou percebeu que nenhum havia interrompido o que dizia para escutá-lo, sua voz não alcançou nenhum dos disputados ouvidos. Ninguém nem mesmo percebeu que o haviam ignorado, que o deixaram contar para as paredes uma das coisas mais importantes que vivia no momento, ninguém se importava com o que ele tinha a dizer. 

Ninguém se importava... 

Abaixou a cabeça e encarou a quantidade de bebida que ainda restava no copo, suficiente apenas para cobrir o fundo transparente de um copo de plástico descartável. Tão descartável quanto qualquer palavra que saísse da sua boca, palavra que era muitas vezes reprimida pela própria consciência, mas que de alguma forma se desprendia das cordas da sua garganta visando um pouco de luz, de espaço. Porém quando saía apenas um espaço morto a esperava. Mentia para si mesmo quando pensava estar acostumado com aquilo. Mentia para se proteger. Mentia para que as lágrimas nunca chegassem. Mas, de tempos em tempos, elas chegavam. E ele as escondia dos demais, pois lhes pertenciam. Eram lágrimas de um sofrimento que crescera junto com ele e que ganhava espaço nos seus pensamentos e, frequentemente, tomava as rédeas das emoções e o conduzia para uma dolorosa e incômoda angústia. Das lembranças de vida que tem posse, sempre notou a ausência de alguém que o escutasse verdadeiramente. Alguém que abrisse os ouvidos e a mente, que lesse cada movimento muscular mínimo que fizesse durante a sua fala, que procurasse o lugar para que os olhos dele estivessem focados. Talvez isso fosse uma exigência absurda de se esperar de outro alguém. Talvez. Mas sentia-se no vazio, no vácuo do espaço onde nenhum som se propaga, nenhum som nasce. 

Tentou falar novamente e por um breve instante algumas cabeças se viraram para ele, mas esse momento acabou quando outro começou a dizer algo. Cortou a sua própria fala no meio, sem que ninguém percebesse novamente. Uma frase amputada pairava no ar, mas só ele a via. E ela caía vagarosamente rumo ao chão, rumo à inexistência e lá ficaria e morreria. Morreria como muitas outras... 

Era curioso pensar que as pessoas que o conheciam há mais tempo e que já possuíam certo grau de intimidade e, até mesmo, de amizade eram as que menos se importavam em lhe dar ouvidos. Estranhos o ouviriam com atenção, nada excessivo também, mas escutariam sem interrompê-lo. Talvez fosse por mera educação, por receio de pedirem que alguém se calasse ou estariam mesmo interessados no que ele tivesse a dizer. Então, por que as pessoas mais próximas eram as que aprenderam a ignorá-lo? Não que fosse sempre, pois algumas vezes cediam um pouco dos seus respectivos tempos para que ele fizesse um discurso, uma confissão, um pedido, uma piada. Até mesmo deixá-lo livrar-se de um segredo. Por vezes, sufocava-se de segredos, mas nesse quesito a culpa era dele. Sentia-se bem de ser o único portador de alguns acontecimentos da sua vida, carregando fardos que talvez ficassem pesados em alguns momentos, mas aceitava a condição de carregá-los sozinhos. Talvez haja uma dose de egoísmo da parte dele também ao criticar a surdez seletiva dos amigos dessa forma. Afinal, não suportaria viver sem eles. Sabia que as pessoas eram movidas sempre por algo ao longo da vida, um sonho, um objetivo, uma ambição e, por mais que tentasse fugir do clichê, reconhecia que os amigos que possuía eram o fator que o mantinha em frente, sempre em frente. Outra coisa curiosa que percebia era que, por mais próximo que um amigo fosse, ainda existiriam coisas que só se conta para um outro amigo. Nenhum deveria saber de tudo e o tudo deveria ser dividido entre os demais. Concordava com isso, pois acreditava ser uma questão de equilíbrio e não uma mera falta de confiança. Enfim... 

Desviou-se do cemitério de frases no chão e foi em direção à cozinha, passando pelas pessoas na casa. Abriu a geladeira e encheu o copo. Não voltou dessa vez para o círculo de amigos e ficou sentado no chão encostado na parede, com o copo em mãos e o olhar perdido. E ali ficou enquanto todos riam, conversavam, bebiam, vomitavam, namoravam. Sua ausência foi tão notada quanto a sua presença. E ali ficou, apagando-se meio ao vai-e-vem das pessoas. O tempo ia passando e, aos poucos, seu rosto ficava transparente, seu corpo ia sumindo. 

Alguns segundos depois, alguém esbarrou no copo que estava no chão, derramando o conteúdo. A pessoa procurou o dono do objeto, mas não encontrou, então fingiu não ter acontecido nada e voltou para a festa.

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