quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O Homem Que Lia Estrelas



Numa cidade de sempre noite, viviam milhares de pessoas um tanto quanto diferentes do que se conhece. Até mesmo a própria cidade desvia-se do nosso conceito monótono de normal. Primeiramente, não se sabe onde fica ou quando existiu ou se existiu. Talvez ainda exista. Além disso, um fato curioso, pelo menos para mim, é que a manhã nunca o alcançou esse lugar. A noite, a lua, as estrelas e a escuridão sempre estiveram sobre o mesmo. Os relógios eram uma mera forma de organizam-se, posto que não serviriam para informar as horas do dia da forma que o conhecemos. Para os habitantes isso era o habitual, pois nunca viram ou tiveram outra realidade. Diz-se que ninguém nunca saiu ou chegou nessa cidade, todos sempre estiveram lá. As pessoas que lá vivem também possuem também as suas peculiaridades. Cada um, criança ou adulto, homem ou mulher, é capaz de ver o futuro da própria vida. Até onde podem ver? Por que tem esse “dom”? Confesso que não sei responder. 

Uma cidade onde surpresas não existem, onde cada ação já tem a sua reação minunciosamente conhecida, onde a vida não tem mistérios, onde o futuro não pertence a deuses. Chega a ser confuso entender, pois se conseguem ver o futuro o que eles veem no presente? Ou simplesmente não vivem o presente por estarem sempre de olhos à frente do tempo “real”? Contudo, sempre há um “porém”. Como eu já havia dito, lá sempre é noite e são as estrelas e uma enorme lua as responsáveis pela fonte de luz. O “porém” é que, uma vez por ano, surge uma segunda lua, idêntica a primeira. Nada de mais até então. Entretanto, nesse dia de duas luas ninguém, nem adulto nem criança, nem homem nem mulher, pode ver o futuro. A nossa história acontecerá nesse místico lugar e nesse excêntrico dia. Assim, contarei o que se sabe, sem saber de onde ou porque sei. 

Havia um homem que possuía uma habilidade que ia além do complexo fato de ver adiante. Ela podia ler as estrelas. As estrelas reavivavam o passado, iluminavam o presente e confidenciavam uma espécie de futuro. Mas esse não era precisamente exato, pois uma variável das estrelas é que contam com a imprevisibilidade da natureza humana. Em todos os dias de duas luas, a população formava filas em frente à casa desse homem para que este lhes dissesse o que, naquele único dia, não conseguiam saber sozinhos. Ele não se importava com aquilo, habituara-se, sentia-se útil. E a enorme fila, aos poucos, diminuía após cada leitura do homem. Achava aquelas pessoas relativamente estúpidas, por não aproveitarem esse dia com a imprecisão e o não-conhecimento que lhes era dado. Viver ao menos um dia com o gosto da dúvida e a ansiedade do novo e do imprevisível. Por esse motivo, tal homem não olhava para o próprio futuro há anos, apenas para as estrelas. Confiava nos olhos e demais sentidos para que o guiassem ao longo do tempo. 

Quando a última pessoa da fila foi-se, percebeu que uma estrela ainda não havia lhe contado uma história. Ou seja, alguma pessoa da cidade não o procurara. Escolheu não ler a estrela sem que o dono dessa o pedisse. 

Pouco antes de a segunda lua partir, subiu no morro mais alto da cidade para observar a partida dessa visitante anual. Ali, diante das luzes de todas as casas e sob a luz de todas as estrelas, o homem observava. Uma mão tocou-lhe o ombro e virou-se. Uma mulher desconhecida estava parada, por vezes o encarando e por vezes encarando as luas. Não sabia o que ela pretendia, poderia saber se quisesse. Mas não quis. Por nunca tê-la visto, deduziu que seria a dona da estrela que não fora lida e, consequentemente, alguém que não queria ter conhecimento do futuro. Por alguns segundos, ficaram parados apenas observando ambas as faces e olhares. E, finalmente, ela o beija no exato momento que sobra apenas uma lua flutuando no manto negro do céu. 

Um flash de luz e visões invade a mente da garota que assiste, involuntariamente, um futuro que a pertencia. Um futuro que lhes pertencia. Ela viu sua vida ao lado dele. 

Um raio de sol separa o beijo do casal e, dessa vez, as visões invadem o cérebro do homem. Depois de um longo tempo sem olhar para depois do presente, ele viu um futuro que o pertencia. Um futuro que apenas o pertencia.

2 comentários:

  1. Texto com desencadeamento de um enredo não-lógico mas ao mesmo tempo absurdamente palpável. Fácil imaginar que essa cidade hipotética pode ser o anseio de qualquer um de nós. Leitura fluente e, apesar de um desfecho numa ocasião simples, une as pontas da trama de um jeito suave e agradável de ser lido.

    Apenax amei.

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  2. Esses assim são os seus melhores... os mundos que não existem...

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