terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ela


Fechou a última mala e correu os olhos pelo quarto. Tudo já estava guardado para a mudança. Sentou-se na cama e ficou observando todos os móveis e roupas que preencheram seu quarto por alguns anos. As memórias caminhavam na sua frente e um nó apertava sua garganta. Era o seu último dia naquela cidade e estava pronto para ir. Mas antes, tinha um assunto a tratar. Pegou um envelope na mesa e saiu. 

Desceu as escadas e saiu do prédio. A rua estava com a movimentação banal que sempre gostou. Cruzou com vizinhos passeando com os cachorros, com uma mulher saindo da padaria e passou na frente do restaurante que por muito tempo almoçou. As cadeiras estavam por cima das mesas enquanto a água lavava marcas de pés e comidas derrubadas. Descia a rua com o envelope nas mãos suadas. Não estava nervoso ou confuso, o que sentia misturava-se com todos os demais sentimentos. Mas queria fazer o que estava indo fazer e disso tinha certeza. O caminho não era longo, mas passou tantas vezes por ali que pareceu que cada passo não era do presente. Cada passo representava outro dia que passara por ali e a história de cada um deles. As companhias, os assuntos conversados, os tropeções inevitáveis nas rachaduras, as chuvas e os dias de sol. E assim os anos iam passando pela sua cabeça, enquanto que apenas alguns minutos se passavam fora dela. Virou em uma esquina e logo mais virou novamente. Chegara à rua que queria. Andou mais um pouco e chegou ao destino. De frente para a casa, respirou fundo e tocou a campainha. Ao apertar o pequeno botão o som encheu a residência e o coração dele pareceu acelerar. Apertou o envelope como se tivesse dúvida de que estava ali. Pela janela, um rosto surgiu e depois de reconhecer o garoto desapareceu por trás das cortinas. A porta se abriu e ela saiu. Caminhava pelo jardim em direção ao portão. Mas não caminhava de uma forma simples, era uma maneira divertida de andar, que não conseguiria explicar. Para ele aquilo era normal, pois a conhecia há anos. De frente um para o outro, ela abriu o portão e sorriu, convidando-o a entrar. Ambos sabiam que era bem provável que fosse a última vez que ele entraria ali, mas nada disseram. 

Não entraram na casa, pois o que ele tinha de fazer era breve. Levantou a mão e lhe entregou o envelope. Por alguns segundos ela não soube do que se tratava. Milhares de pensamentos podem tê-la bombardeado, mas só teria certeza de qual era o certo quando abrisse o papel. Pegou o que lhe era entregue e abriu. Havia uma fotografia envolvida por uma carta. Ela olhou para a imagem e mergulhou num lago de memórias e reflexões. Se outra pessoa olhasse para o retrato não veria nada de especial, mas é assim que funciona. Por mais que se tente explicar uma fotografia, somente aqueles a quem ela pertence sabem o quão longe a mente é acordada. O quanto está escrito por entre àquela confusão de tinta. Ela permanecia muda. Olhou para a carta e depois para o rosto dele. Os olhos dele diziam: “Leia!”, mas ela não suportaria fazê-lo na frente dele e tinha certeza disso. Então, a garota limitou-se a dizer: “Não vou ler agora não”. Ele já esperava por aquilo e simplesmente sorriu. O que ali estava escrito pertencia aos dois e somente a eles. Somente os olhos dela saberiam como ler as palavras dele. Ele a escreveu com as lembranças dela na sua vida, assim a carta era feita com uma mistura de sentimentos de ambos. As palavras não conseguiriam dizer tudo, mas não precisavam, pois era ela quem iria ler e também era ela quem saberia ultrapassar as simples palavras ali gravadas. Era ela. 

Abraçaram-se como se fosse o último abraço que dariam e despediram-se. Saiu para a rua, deu mais uma olhada para o rosto da garota e seguiu em frente. Passando pela última vez por aquela rua. A dúvida de quando se veriam de novo foi a sua companheira no caminho de volta.

3 comentários: